Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.
***
Falas de civilização, e de não dever ser,
Ou de não dever ser assim.
Com as cousas humanas postas dessa maneira,
Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
Dizem que se fossem como tu queres, seriam melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para que te quereria ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as coisas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
Se as cousas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.
Ai de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de fazer felicidade.
***
Passa um momento uma figura de homem.
Os seus passos vão com "ele" na mesma realidade,
Mas eu reparo para ele e para eles, e são duas coisas:
O "homem" vai andando com as suas ideias, falso e estrangeiro,
E os passos vão com o sistema antigo que faz as penas andar.
Olho-o de longe sem opinião nenhuma.
Que perfeito que é nele o que ele é - o seu corpo,
A sua verdadeira realidade que não tem desejos nem esperanças,
Mas músculos e a maneira certa e impessoal de os usar.
***
(20/04/1919)
Pessoa, Fernando, (1888-1935). Poemas de Alberto Caeiro: obra poética II. Porto Alegre, L&PM, 2010. 137 p.
Lindos, lindos! Também pudera, falamos de Fernando Pessoa, um grande poeta.
ResponderExcluirA propósito, belas imagens!