Dentre as diversas vertentes da Arte Contemporânea
há uma em particular que visa à reaproximação do ser humano com a natureza,
ligá-lo com o mundo físico à sua volta, ou antes, resgatar este elo. Dentre os
artistas que em tal vertente bem se enquadram estão Karin Lambrecht, Adriana
Varejão e Carlos Vergara. Todos estes, à sua maneira, celebram a vida e a
relação do homem com a natureza.
Karin Lambrecht
Karin Marilin Haessler Lambrecht nasceu em Porto Alegre, no ano de 1957.
Começou seus estudos no Ateliê Livre da Prefeitura Municipal dessa mesma
cidade. No início da década de 1980, faz curso de pintura com Raimund Girke
(1930 - 2002), na Hochschule der Künste,
em Berlim.
Na década de 1990, começa a agregar materiais orgânicos, como grãos de
terra e sangue, à superfície das telas. Contudo, no começo de sua trajetória
artística utilizava-se predominantemente de resíduos industriais.
Karen atualmente trabalha, maiormente, com tons de azul, e passa a
explorar os vermelhos, ocres e amarelos, por meio de pigmentos naturais, que
variam desde finas camadas de terra, ao carvão ou ao sangue de animais
abatidos. Por vezes, expõe as obras à ação da natureza, como o sol, vento ou chuva,
que as modifica e faz com que elementos novos, como folhas de árvores,
fragmentos de cascas ou pegadas de animais, sejam agregados a elas.
Adriana Varejão
Nascida no Rio de Janeiro em 1964, Adriana realizou sua primeira exposição
em 1988, mesmo período em que participou de uma coletiva no Stedelijk Museum, em Amsterdã.
Atualmente é considerada uma das personalidades mais relevantes da arte
contemporânea, havendo participado de mais de 70 exposições em diversos países,
tal como Bienais em Veneza e São
Paulo; Tate Modern, em Londres e MoMa, em Nova Iorque. Vários institutos
e museus já promoveram exposições de sua obra, dentre eles: Fundação Cartier, em Paris, Centro Cultural de Belém, em Lisboa e Hara Museum, em Tóquio.
Em 2008 ganhou um pavilhão dedicado à sua obra no Centro Inhotim de Arte
Contemporânea.
Varejão trabalha com a pintura e a azulejaria. Na pintura utiliza-se de
materiais pouco convencionais qual o poliuretano e o alumínio. Como a própria
artista refere:
“Trago elementos alienígenas: [...] materiais pouco tradicionais, que não
pertencem à pintura. Não pinto como forma de resistência e sim porque é o meio
que mais se adapta ao que quero dizer”. (Varejão, http://adrianavarejao.net/).
Já seu trabalho com azulejos era, originalmente, baseado em paródias que a
artistas produzia de painéis barrocos azulejados. A posteori Adriana passou a
emprega-los com razões geométricas e, mais tarde, por influência da presença
destes elementos na arquitetura da cidade carioca:
“Me identifico (sic) muito com a arquitetura carioca de botequins, e eles são azulejados. O
azulejo não está só presente na minha obra, ele está presente na vida do Rio de
Janeiro. É uma herança portuguesa”. (Varejão,
http://adrianavarejao.net/).
Um aspecto da obra de Adriana é sua relação com o barroco brasileiro.
Assim como no barroco a Arte possui força expressiva e o apelo à matéria,
também é a obra de varejão: busca destacar a matéria, o físico:
“Não sou religiosa, meus pais também não, a gente não tinha o hábito de
visitar museus e igrejas. Quando vi as igrejas barrocas de Ouro Preto, não pude
acreditar! Aquela exacerbação da volúpia da matéria me deu uma rasteira que
nunca mais esqueci. Foi uma epifania que vivi aos 22 anos. A partir daí fui tomada
por esse universo.” (Varejão, http://adrianavarejao.net/).
Uma característica marcante – e que confere singularidade – da obra de
Adriana Varejão é a representação de carnes. Tal como as incisões representadas
em suas telas, as carnes dão um ar violento e muito expressivo a obra da
artista. Tal como dito, sua intensão é destacar o físico, o material, de modo
que composições como “azulejo verde e
carne viva” sugerem que a parede é um organismo vivo, uma “extensão do ser”.
“As carnes vêm de muitos séculos de pintura. Faço parte de uma tribo de
pintores que pintam carne: Goya, Rembrandt, Francis Bacon... Quando pinto
carne, falo também da tradição da pintura. Ela nasceu na minha pintura de uma
investigação interna do próprio trabalho. O que busco é uma certa (sic) impureza. Existe uma tendência
no mundo, na arte e na cultura à assepsia. Tenho pavor de assepsia. Gosto de
fantasmas, paredes habitadas, sótão, porão... A gente está muito distante da
matéria. [...] Existe uma vontade de limpeza e assepsia muito grandes, que
distancia a gente da ideia da vida, do corpo, do nascimento, da morte. Busco as
saunas porque elas são cheias de impurezas: cabelos, fluídos, restos de pele...
Tento simular uma parede toda azulejada, e essa parede é cortada – existe uma
pulsão dentro dela, que é a carne. A parede é habitada, viva. O rasgo ali é
para mostrar que a casa, a parede são extensões do nosso corpo. A gente tende a
entrar numa casa e pintar, apagar os vestígios de tudo o que passou por ali. Tenho
uma tendência a resgatar isso. A carne não é uma exaltação da ideia da morte, é
exaltação de uma pulsão de vida”. (Varejão,
http://adrianavarejao.net/).
Em sua obra percebe-se a preocupação em resgatar o contato do homem com a
natureza, ou antes, com os elementos físicos, longe de uma ideologia de um
mundo reto como que num plano cartesiano, limpo de um branco impecável como num
ambulatório onde o indivíduo se faz um ser unicamente intelectual; a intenção é
de o homem estar inserido no universo, que a realidade é uma extensão de si.
Carlos Vergara
Carlos Vergara é gaúcho de Santa Maria e nasceu em 1941. Estudou com o
pintor Iberê Camargo¹. Artista
múltiplo com quase cinco décadas de trajetória, Vergara trabalhou com pintura,
serigrafia, instalações, fotografia e cinema. Desde o fim dos anos 1980, o
artista emprega pigmentos naturais e minérios, com os quais produz a base para
trabalhos em superfícies diversas. Ele desenvolveu obra em contato direto com o
ambiente ecológico na série Monotipias do Pantanal, de 1997.
A produção de Vergara o situa num grupo de artistas que trabalha o próprio
pigmento como um signo da pintura. A busca pelo diálogo entre a materialidade
da obra e sua relação com o meio circundante são elementos fundamentais para
sua constituição. Esse aspecto se torna mais evidente a partir do ano de 1989
ao lançar mão de monotipias e pinturas abstratas que estabelecem relações
físicas e conceituais com lugares visitados pelo artista. Ao percorrer determinados
espaços, Vergara imprime em sua tela as marcas físicas desses locais que, mais
tarde, serão manipuladas por meio de inserções de tintas e grafismos. Sua ação
procedimental leva às obras a dialogar diretamente com o meio ambiente,
incorporando-o ao trabalho.
1. Iberê Bassani de Camargo (Restinga Seca, 18 de novembro de 1914 — Porto Alegre,
9 de agosto de 1994) foi um pintor, gravurista e professor brasileiro.
Considerações Finais
A arte de Karin causa certa perplexidade no observador por utilizar-se de
elementos pouco convencionais, preponderantemente o sangue, cujo misticismo e
figuração espiritual causam no observador algo como um “choque”. Não é de hoje
que o sangue possui esta propriedade de afetar o sentimental – e por que não o
psicológico, o imaginário? – do público: filmes como “O conde Drácula”
surgiram, orginalmente, em função desse apelo. Todavia, a considerar o conceito
de estética apresentado no vídeo e a intensão da Arte de abordar temas ou
chamar a atenção para determinados aspectos de forma mais enfática, é
inevitável dizer que as obras de Karin são demasiado expressivas e criativas.
Igualmente significativas são as obras de Adriane Varejão, que mostra o
mundo que nos cerca, as paisagens urbanas como algo tão vivo quanto às
paisagens naturais, suscitando que o mundo, a realidade física é também uma
extensão viva do próprio homem. Tal como Karin, Varejão emprega em suas obras
elementos poucos convencionais, embora diferentemente da primeira, ela não se
utilize de carne efetivamente, e sim se sirva de uma representação
hiper-realista – o que produz um efeito estético também singular, levando o
observador a um estado de perplexidade.
Um aspecto que ambas parecem ter em comum, preponderantemente, é uma
“ressignificação”, ou antes, uma construção mais intensa da linguagem sobre
suas obras, efeito este causado pela ideia de sangue, vísceras e carne
presentes nas composições de ambas – estes elementos conferem violência às
obras, podendo mesmo “agredir”, chocar, de uma maneira ou outra, o olhar, a
percepção do público.
Carlos Vergara associa-se também pelo uso de pigmentos naturais em suas
composições, pois tal como Karin, faz do meio-ambiente seu ateliê: o barro, a
chuva, as pedras, as árvores e os próprios animais tornam-se seus instrumentos
de trabalho: suas tintas, seus pincéis...
As obras desses artistas, a meu ver, ganham uma significação ainda mais
ampla e profunda dada a forma como são produzidas, pois além da história, da
crítica apresentada pelo autor, é como se cada material tivesse em si sua
própria história.
O que interliga aos três, mais do qualquer outro aspecto, é a relação que
visam estabelecer do homem com o mundo, agregando valores históricos,
místicos/religiosos, sociais...
***
Referências
Farias, M.S.: "Arte contemporânea". Novembro de 2013.http://livredialogo.blogspot.com.br/
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