terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Eufemismos destrutivos nas organizações

Texto de Roberto Funck¹.

"Encorajado pelo brilhante texto de Luiz Antonio Simas, atrevo-me a trazer o mesmo tema tratado por ele para dentro das organizações. Ah, sim. Não é só nas escolas que a insanidade do politicamente correto se alastra. O mesmo ocorre nas organizações onde, desde algum tempo, várias denominações estão sendo substituídas por outras, também sob a égide do “politicamente correto”, mas que não passam de meros eufemismos, com efeitos que podem ser devastadores no longo prazo.

"Podemos começar com “empregado”, hoje um termo pejorativo em muitas organizações. As pessoas que trabalham em organizações hoje são associados, colaboradores ou qualquer outra coisa do tipo. Ora, o artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho considera empregado “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.” Ou seja, do ponto de vista legal, todo aquele que presta serviços com tais características é um empregado. Ponto. O uso dos eufemismos deriva do falso entendimento de que os empregados sentir-se-ão mais valorizados se forem tratados por associados ou colaboradores, etc. Falso entendimento porque isso é uma ilusão que dura até o momento em que o colaborador, valendo-se da Legislação Trabalhista, recorre ao Judiciário para reclamar seus direitos como empregado. Aí ele deixa de ser colaborador para ser o empregado que sempre foi. Por outro lado, especialmente aqueles que acompanham um pouco mais de perto o desempenho da economia, já ouviram falar, alguma vez de nível de “dessociação” ou de nível de “descolaboração”? Não, o que encontramos são estatísticas sobre o nível de “desemprego”. E o que procuramos quando estamos “desempregados”? Um emprego, naturalmente. E até etimologicamente, empregado “é aquele que exerce emprego ou função, funcionário” (Aurélio). Nada de errado com o termo.
Podemos seguir com “chefe”. Bem, chefe quem tem é índio! Equipes organizacionais têm “líderes”! Como se uma pessoa pudesse transformar-se em líder por uma portaria ou nomeação oficial.

"Esquecem os gestores das empresas as sábias palavras do maior dos gurus da Administração, Peter Drücker: “Líder é quem tem seguidores”. Algo como dizer que professor é quem tem alunos, mestre é quem tem discípulos. Ninguém tem seguidores por decreto. Os seguidores surgem pela postura, pelos ideais, pelo exemplo. Independentemente disso, toda organização necessita um certo grau de organização e controle, ou transforma-se em um caos. E é por isso que existem diferenças hierárquicas nas organizações. “Chefe” soa mal? Tudo bem: use-se “coordenador”. Os líderes, aqueles que tem seguidores, surgirão sozinhos, de maneira informal, como aliás, surgiu o termo na literatura da Administração.

"Apenas para não deixar o texto muito longo, finalizemos com “Gestão de Pessoas”. Lindo, mas não saberia dizer o que é mais forte na expressão: a ingenuidade ou hipocrisia. Por que ingenuidade? Porque tradicionalmente o departamento com esse nome chamava-se “Administração de Recursos Humanos”. Coisa horrível ser tratado como recurso! Mas, pensem bem: quando você aceita um emprego, o que é que está vendendo ao empregador? Sua capacidade de produzir alguma coisa ou você mesmo? Parece óbvio que o que vendemos é nossa capacidade de produzir algo: o nosso trabalho. E o trabalho, seja ele braçal ou intelectual é um recurso, um recurso humano. Uma pessoa é muito mais do que sua capacidade de produzir trabalho. É aí que entra a questão da ingenuidade e da hipocrisia. Ingenuidade, quando não se consegue distinguir o que está sendo vendido ou comprado. Hipocrisia, quando se utiliza uma expressão que, aparentemente, e apenas aparentemente, é mais politicamente correta e também apenas aparentemente mais motivadora, com a finalidade de gerir a pessoa, integralmente, e não apenas a sua capacidade de produzir trabalho.

"No longo prazo, a utilização desses termos normalmente é devastadora. Por um simples motivo: quando assinamos um contrato de emprego, estamos assumindo não um, mas dois contratos. O primeiro é o contrato formal, aquele regido pela Legislação Trabalhista e normalmente explícito. O segundo é implícito e inclui as expectativas psicológicas mútuas entre as duas partes contratantes. Nesse caso, é indiferente o que contenha o contrato formal. O contrato psicológico é feito de expectativas, que podem ser reais ou não, criadas pela outra parte ou não. Agora, vejam que tipo de expectativas psicológicas pode gerar uma empresa que tenha um Departamento de Gestão de Pessoas, os coordenadores sejam denominados líderes e os empregados, colaboradores. Assim que o funcionário percebe que ele está sendo tratado como um recurso ou, o que é pior, que a empresa está tentando gerenciar sua pessoa; que ele não é um colaborador, mas um empregado e que existem chefes ou coordenadores, mas não líderes, ocorre o que se chama “quebra do contrato psicológico”. Muito pior que a dissolução de um contrato formal, a quebra do contrato psicológico gera um sentimento de frustração, de descrença na organização e de revolta no empregado, que ele passa a ser um inimigo da organização. E, no entanto, como o contrato formal não foi desfeito, ele continua na organização.

"Sob esse lógica, não é muito difícil entender porque tantos empregados, em tantas empresas, produzem tão pouco e esperam tão ansiosamente pela chegada da tarde de sexta-feira."

1. Roberto Funck é Diretor do Centro de Docência On-line Independente - CEDOI. Bacharel em Administração pela  Universidade Católica de Pelotas - UCPel. Mestre em Direção e Administração de Empresas pela Escuela Superior de Administración y Dirección de Empresas - ESADE. Doutor em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRS. Participou, em 2012, como um dos Conferencionistas Magnos do "III Congreso Internacional EDUTIC - Peru 2012: ‘El impacto de las tecnologias en la educación’" e, em 2013, do Congreso Virtual Mundial de e-Learning.

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