Texto de Roberto Funck¹.
"Encorajado pelo brilhante texto de Luiz
Antonio Simas, atrevo-me a trazer o mesmo tema tratado por ele para dentro das
organizações. Ah, sim. Não é só nas escolas que a insanidade do politicamente
correto se alastra. O mesmo ocorre nas organizações onde, desde algum tempo,
várias denominações estão sendo substituídas por outras, também sob a égide do
“politicamente correto”, mas que não passam de meros eufemismos, com efeitos
que podem ser devastadores no longo prazo.
"Podemos começar com “empregado”, hoje um termo
pejorativo em muitas organizações. As pessoas que trabalham em organizações
hoje são associados, colaboradores ou qualquer outra coisa do tipo. Ora, o
artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho considera empregado “toda pessoa
física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a
dependência deste e mediante salário.” Ou seja, do ponto de vista legal, todo
aquele que presta serviços com tais características é um empregado. Ponto. O
uso dos eufemismos deriva do falso entendimento de que os empregados
sentir-se-ão mais valorizados se forem tratados por associados ou
colaboradores, etc. Falso entendimento porque isso é uma ilusão que dura até o
momento em que o colaborador, valendo-se da Legislação Trabalhista, recorre ao
Judiciário para reclamar seus direitos como empregado. Aí ele deixa de ser
colaborador para ser o empregado que sempre foi. Por outro lado, especialmente
aqueles que acompanham um pouco mais de perto o desempenho da economia, já
ouviram falar, alguma vez de nível de “dessociação” ou de nível de
“descolaboração”? Não, o que encontramos são estatísticas sobre o nível de
“desemprego”. E o que procuramos quando estamos “desempregados”? Um emprego,
naturalmente. E até etimologicamente, empregado “é aquele que exerce emprego ou
função, funcionário” (Aurélio). Nada de errado com o termo.
Podemos seguir com “chefe”. Bem, chefe quem tem é
índio! Equipes organizacionais têm “líderes”! Como se uma pessoa pudesse
transformar-se em líder por uma portaria ou nomeação oficial.
"Esquecem os gestores das empresas as sábias
palavras do maior dos gurus da Administração, Peter Drücker: “Líder é quem tem
seguidores”. Algo como dizer que professor é quem tem alunos, mestre é quem tem
discípulos. Ninguém tem seguidores por decreto. Os seguidores surgem pela
postura, pelos ideais, pelo exemplo. Independentemente disso, toda organização
necessita um certo grau de organização e controle, ou transforma-se em um caos.
E é por isso que existem diferenças hierárquicas nas organizações. “Chefe” soa
mal? Tudo bem: use-se “coordenador”. Os líderes, aqueles que tem seguidores,
surgirão sozinhos, de maneira informal, como aliás, surgiu o termo na
literatura da Administração.
"Apenas para não deixar o texto muito longo,
finalizemos com “Gestão de Pessoas”. Lindo, mas não saberia dizer o que é mais
forte na expressão: a ingenuidade ou hipocrisia. Por que ingenuidade? Porque
tradicionalmente o departamento com esse nome chamava-se “Administração de
Recursos Humanos”. Coisa horrível ser tratado como recurso! Mas, pensem bem:
quando você aceita um emprego, o que é que está vendendo ao empregador? Sua
capacidade de produzir alguma coisa ou você mesmo? Parece óbvio que o que
vendemos é nossa capacidade de produzir algo: o nosso trabalho. E o trabalho,
seja ele braçal ou intelectual é um recurso, um recurso humano. Uma pessoa é
muito mais do que sua capacidade de produzir trabalho. É aí que entra a questão
da ingenuidade e da hipocrisia. Ingenuidade, quando não se consegue distinguir
o que está sendo vendido ou comprado. Hipocrisia, quando se utiliza uma
expressão que, aparentemente, e apenas aparentemente, é mais politicamente
correta e também apenas aparentemente mais motivadora, com a finalidade de
gerir a pessoa, integralmente, e não apenas a sua capacidade de produzir
trabalho.
"No longo prazo, a utilização desses termos
normalmente é devastadora. Por um simples motivo: quando assinamos um contrato
de emprego, estamos assumindo não um, mas dois contratos. O primeiro é o
contrato formal, aquele regido pela Legislação Trabalhista e normalmente
explícito. O segundo é implícito e inclui as expectativas psicológicas mútuas
entre as duas partes contratantes. Nesse caso, é indiferente o que contenha o
contrato formal. O contrato psicológico é feito de expectativas, que podem ser
reais ou não, criadas pela outra parte ou não. Agora, vejam que tipo de
expectativas psicológicas pode gerar uma empresa que tenha um Departamento de
Gestão de Pessoas, os coordenadores sejam denominados líderes e os empregados,
colaboradores. Assim que o funcionário percebe que ele está sendo tratado como
um recurso ou, o que é pior, que a empresa está tentando gerenciar sua pessoa;
que ele não é um colaborador, mas um empregado e que existem chefes ou
coordenadores, mas não líderes, ocorre o que se chama “quebra do contrato
psicológico”. Muito pior que a dissolução de um contrato formal, a quebra do
contrato psicológico gera um sentimento de frustração, de descrença na
organização e de revolta no empregado, que ele passa a ser um inimigo da
organização. E, no entanto, como o contrato formal não foi desfeito, ele
continua na organização.
"Sob esse lógica, não é muito difícil entender
porque tantos empregados, em tantas empresas, produzem tão pouco e esperam tão
ansiosamente pela chegada da tarde de sexta-feira."
1. Roberto Funck é Diretor do Centro de Docência On-line Independente - CEDOI. Bacharel em Administração pela Universidade Católica de Pelotas - UCPel. Mestre em Direção e Administração de Empresas pela Escuela Superior de Administración y Dirección de Empresas - ESADE. Doutor em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRS. Participou, em 2012, como um dos Conferencionistas Magnos do "III Congreso Internacional EDUTIC - Peru 2012: ‘El impacto de las tecnologias en la educación’" e, em 2013, do Congreso Virtual Mundial de e-Learning.
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