Introdução
O que é conhecer? Poder-se-ia dizer que o conhecimento são as informações que assimilamos sobre determinado objeto ou fato; mas o conhecimento em si é também um processo, pois para que possamos conhecer precisamos investigar aquilo que se faz objeto. No processo de investigação criamos uma imagem mental em forma de opinião, ideia ou conceito daquilo que pretendemos dominar.
Naturalmente, nesse processo, podem surgir conhecimentos conflitantes acerca da natureza de um mesmo objeto e, nesse sentido, questiona-se o que realmente podemos conhecer, isto é, se somos capazes de um conhecimento pleno, de chegarmos à verdade sobre determinada coisa.
Pois que, para alguns filósofos é possível que cheguemos, sim, à verdade, que possamos de fato conhecer; são estes os defensores do dogmatismo. Em oposição, argumentam os defensores do cepticismo, que é impossível obter a verdade sobre qualquer coisa, existindo apenas a possibilidade de que algo seja verdadeiro; para estes, duas ideias contraditórias são, igualmente, tão certas quanto erradas.
Dogmatismo
O dogmatismo é, essencialmente, a corrente ideológica que defende podermos chegar até a verdade suma de algo. O Dogmatismo filosófico pode ser visto como uma doutrina fundamentada em princípios, através dos quais se chega à verdade, sem, contudo, haver a necessidade de submeter, em qualquer momento do processo de conhecimento, as conclusões ou insumos à crítica ou validação de qualquer espécie.
Mas o que implica dizermos a “certeza absoluta”? Significa que a percepção, concepção e entendimento sobre algo é único para todo aquele que o contemplar, não existindo, portanto, outra forma de conceber este mesmo objeto.
É interessante notar que até aqui não há a problematização do processo de conhecimento; este se dá de maneira natural, espontânea de cada um. Não se faz presente a dúvida sobre o conceito daquilo que estamos aprendendo.
Sempre que aceitamos sem reservas determinada opinião, estamos adotando um conhecimento dogmático. Na História possuímos exemplos políticos disto: Hitler, na Alemanha, projetou a ideia de que a raça ariana pura era superior a qualquer outra e que, portanto, deveria eliminar os demais, além de pôr o mundo sobre uma plataforma política que ele cria ser ideal. Certamente, na construção deste pensamento, o führer utilizou-se de princípios através dos quais obteve tal conhecimento que, com seus argumentos, transmitiu a quase todos os seus compatriotas.
Também é exemplo de conhecimento dogmático o conhecimento que produzimos quando crianças: ao vermos, por exemplo, uma janela e entendemos que ela é o que aparenta ser, sem nos preocuparmos com o porquê, como ela foi feita, se todas as janelas são e sempre serão assim. Simplesmente aceitamos o fato sem questionamentos ou validações.
Ainda mais incisivo é o conhecimento dogmático imposto pelas religiões, onde Deus é o esclarecimento – a causa e o fim de tudo. Caso não se siga à risca as leis da igreja, isto é, os seus dogmas, então perecemos no pecamos e na punição, quiçá, eterna. A obrigatoriedade de acatar sem margem à dúvida as verdades da instituição religiosa torna-a detentora e aplicadora de um conhecimento puramente dogmático.
Nesta corrente filosófica afirma-se a relação entre sujeito e objeto do conhecimento, ainda que não exista critério avaliador dessa relação, tampouco há preocupação com a verdade existente no conhecimento produzido, ou ainda sua abrangência: ela é absoluta; os objetos são apresentados absolutamente tanto no campo da percepção quanto da cognição.
Resumidamente, no dogmatismo aceitamos o mundo da forma exatamente como o percebemos, sem aprofundamentos. Quando nos deparamos com algo extraordinário à reação que temos é de minimizá-lo aos padrões que dominamos. Por exemplo, na Idade Média explicavam-se os fenômenos da natureza – raios; relâmpagos; tempestades; pestes e o mais – como sendo simplesmente obra de entidades místicas.
Cepticismo
O cepticismo pode ser dito como a doutrina filosófica que prega a incapacidade da mente humana de chegar, com certeza plena, a alguma verdade geral ou especulativa.
Enquanto no dogmatismo o sujeito é capaz de apreender o objeto, no cepticismo ele tornar-se incapaz. Ou seja, o conhecimento real do objeto se faz impraticável ao cepticista, ao qual o saber sobre tal é mera abstração, ou antes, entendimento relativo de cada indivíduo; por tal pensamento, o céptico se incapacita de apreender o objeto, afinal, em seu modo de pensar, o que ele vê como uma xícara, por exemplo, pode ser o que outro entenda como um prato, sem que haja, necessariamente, o descarte de uma das concepções: ambas estão igualmente certas, logo, não há verdade geral, única, sobre o objeto, e sim verdades relativas.
Esta doutrina filosófica pode aplicar-se em caráter universal ou circunscrever-se a um campo específico, por exemplo, metafísico; religioso; ético, et reliqua.
O cepticismo pirroniano ou absoluto, prega que é impossível o sujeito conhecer verdadeiramente qualquer coisa, pois, segundo este, nós não somos capazes de desenvolver um entendimento intelectual do objeto. Desta forma, desaconselha que se tente avaliar, entender, comparar e tirar conclusões sobre as coisas.
O cepticismo mitigado, contudo, não estabelece a impossibilidade absoluta do conhecimento, porém como irrealizável a construção de um saber exato, de modo que não se pode afirmar, como no exemplo do segundo parágrafo, se um juízo é certo ou errado, mas apenas se ele é ou não verossímil.
No campo metafísico, esta doutrina nos diz que tudo aquilo que não é experimentável tornar-se incognoscível, portanto, devemos nos ater à experimentação, rechaçando as especulações. Por exemplo, Deus, a alma, o mundo espiritual não nos são sensíveis, tampouco acessíveis à capacidade humana de conhecer, de forma que sequer lhes podemos afirmar a existência.
Descartes no começo de seus estudos empregou um método a que denominou “Dúvida Metódica”, a qual consistia na crença de que o cepticismo é parte da inteligência humana essencialmente crítica e livre. O filósofo começa a pôr em dúvida a tudo, de forma a eliminar o falso e atingir o saber absolutamente verdadeiro.
Montaigne¹, no Renascimento, reformula um tanto a doutrina cepticista ao considerar a subjetividade de cada indivíduo, bem como a influência dos fatores sociais e culturais na construção das opiniões, conceitos e, assim, do próprio conhecimento.
É interessante destacar que, embora a crença sobre o homem ser intelectualmente incapaz de conhecer – a qual é essencialmente é uma contradição e um dos mais fortes argumentos contra o cepticismo absoluto, pois ao afirmar impossível o saber, já está por si expressando um conhecimento –, o cepticismo afirma a possibilidade de conhecer, ao passo que a coloca na dúvida, isto é, ao contrário do dogmatismo, esta doutrina problematiza a questão do conhecimento: preocupa-se com a epistemologia.
Considerações Finais
No introito argumentou-se sobre a validade do conhecimento, se somos ou não capazes, enquanto seres racionais, de obtermos a verdade absoluta. Obter a verdade plena implica em afirmarmos que o mundo é tal como o descrevemos, de forma que não existem outras possibilidades ou implicações para as coisas que já definimos: elas são tais como as vemos.
O dogmatismo, em sua mais pura, conduz a aceitação incondicional da verdade, sem a preocupação de verificarmos a sua coerência, sua amplitude, sua validade. Aqui o conhecimento não tem problematizações: conhecer é algo relativamente simples, pois se compreende e concebe o objeto de forma absoluta. É como que vermos uma tela de computador e avaliarmos que o monitor é apenas aquilo que estamos vendo, desconsiderando todas as peças, fios, circuitos e engrenagens que o constituem.
Nesta perspectiva dogmática, mais importa aquilo que pensa o indivíduo sobre o objeto do que realmente ele é.
O dogmatismo pode ser mais bem visto dentro das religiões – sobretudo na Idade Média -, onde Deus é sempre a explicação para tudo. Neste contexto, ao deparar-se com algo extraordinário, até então desconhecido e incompreendido, o sujeito acaba minimizando-o ao nível de seus conhecimentos os quais se baseiam em forças sobrenaturais.
O cepticismo, na contramão do dogmatismo, julga o intelecto humano incapaz. Menospreza as capacidades cognitivas deste a tal ponto de afirmar que não podemos conhecer a verdade, ou seja, de que não podemos saber nada, que verdade e mentira não existem; bem e mal, tampouco.
Segundo os cépticos mais radicais, deveria haver distinção entre o que é bom por natureza e aquilo que o homem entende como bom. Todavia, estes filósofos concluíram que na natureza não existem conceitos, que tais são meramente criações humanas, as quais se convencionam. Por essa reflexão, não somos capazes de desenvolver um entendimento intelectual do objeto por que na natureza tal não existe, logo não somos capazes de conhecê-lo, de maneira que se desaconselha a formulação de juízos sobre qualquer coisa, pois será relativo a cada um o saber – lembre-se do exemplo da xícara.
Felizmente, com o transcorrer do tempo, as filosofias e doutrinas, o conhecimento em si vai sendo aperfeiçoado, de modo que não se deve buscar classificar o dogmatismo e o cepticismo como doutrinas boas ou más, e sim concebê-los como partes integrantes do mecanismo de conhecimento.
Muitos dos maiores e mais importantes filósofos da antiguidade eram dogmáticos. Dentre estes está Platão, cuja definição clássica do conhecimento é hoje base para muitas teorias acerca de. Segundo o filósofo, o conhecimento se baseia na crença verdadeira e justificada. Na Filosofia o dogmatismo não tem uma confiança tão pura e ingênua na razão, pois existe a preocupação com verdade, de modo que se submete a aparência a uma analise crítica, contudo, ainda buscam-se absolutos. Aristóteles, também dogmático, divide o conhecimento em três áreas: científica, prática e técnica – divisões estas que utilizamos ainda hoje.
O cepticismo, embora suas contradições aparentes, não pode ser desqualificado, pois ao plantar a dúvida dentre as concepções do indivíduo força-lhe à busca, ao aprofundamento de seus conhecimentos, de saciar suas inquietações, as quais, naturalmente, se avolumam de acordo a sua evolução espiritual.
O pai do Positivismo, Augusto Comte, defendia que o dogmatismo é parte natural da mente humana, por que o homem tem e sempre terá a necessidade de confiar, de crer em algo para viver – tanto o é que, embora crítico da metafísica e do conhecimento teologal, ideou a “Religião da Humanidade”. Defendia ainda que, o cepticismo deveria ser empregado como que uma ferramenta na passagem de uma crença a outra, quando conceitos e opiniões arcaicos entram em colapso, havendo a necessidade de suas mudanças.
Mas, afinal, o que vem a ser conhecer, se não o fato de procurarmos pôr ordem onde esta não exista, criando assim um padrão de realidade? O conhecimento é fruto da atividade intelectual, contemplando-lhe todo o processo e seus resultados; é ele um meio termo entre a crença e a verdade: é a “crença verdadeira e justificada”.
1. Michel Eyquem de Montaigne (1533-1592) foi um político, filósofo, escritor, cético e humanista francês, considerado como o inventor do ensaio pessoal.
Farias, M.S.: "Dogmatismo e Ceticismo". Junho de 2014. http://livredialogo.blogspot.com.br/
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Referências
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*http://umesbocofilosofico.blogspot.com.br/2011/05/do-dogmatismo-gnosiologico-e-ceticismo.html
*http://www.brasilescola.com/filosofia/conhecimento.htm
*http://www.estudopratico.com.br/ceticismo-e-dogmatismo-na-filosofia/
*https://sites.google.com/site/filosofiabaltar/a-filosofia-nas-aulas/tipos-de-cepticismo
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