Há quem tenha dificuldades em relação ao domínio da Língua Portuguesa, muitos dizem-na impossível de ser compreendida totalmente e que “ninguém sabe Português”; em princípio, a Gramática Normativa, uma vez compreendida, forneceria um padrão de uso “correto” da Língua, uso aspas porque nos últimos anos linguistas, a exemplo de Marcos Bagno, compuseram obras cujo conteúdo vai de encontro a ideia de que se faz errôneo o uso oral e escrito da língua que está em desalinho com as normas gramaticais. Bagno defende que a Gramática deveria constituir-se a partir do uso do idioma, e não o oposto. Seu argumento principal com relação a isto é que as normas de escrita mais primitivas teriam surgido como resultado da maneira qual escreviam os primeiros grandes filósofos e literatos que ascenderam ao sucesso em suas sociedades, razão pela qual a estrutura de suas composições teria sido adotada à época, originando assim as primas leis de escrita e dialética.
Em sua mais renomada obra, “Preconceito Linguístico”, Marcos Bagno ainda apresenta defensa à pronunciação errada como, por exemplo, “flouxo”, “flaco”, “clavo” etc., alegando que, tais vocábulos, a princípio, possuíam pronúncia e grafia semelhantes a estas, sendo sua forma correta hoje resultante de um fenômeno. Vejamos às palavras do autor:
“[...] estudando cientificamente a questão, é fácil descobrir que não estamos diante de um traço de “atraso mental” dos falantes “ignorantes” do português, mas simplesmente de um fenômeno fonético que contribuiu para a formação da própria língua portuguesa padrão. [...] as palavras do português padrão [...] tinham, na sua origem, um ‘L’ bem nítido que se transformou em ‘R’. Se fôssemos pensar que as pessoas que dizem Cráudia, chicrete e pranta têm algum “defeito” ou “atraso mental”, seríamos forçados a admitir que toda a população da província romana da Lusitânia também tinha esse mesmo problema na época em que a língua portuguesa estava se formando. E que o grande Luís de Camões também sofria desse mesmo mal, já que ele escreveu ingrês, pubricar, pranta, frauta, frecha na obra que é considerada até hoje o maior monumento literário do português clássico, o poema Os Lusíadas. E isso, é “craro”, seria no mínimo absurdo.” (BAGNO, Marcos. “Preconceito Linguístico”. Edições Layola, São Paulo, junho de 2007: 48ª e 49ª edições. p. 40-41).
Pouco consta que o Ministério da Educação e Cultura (MEC) aprovou o uso escolar de livros de Língua Portuguesa na educação básica que adotavam o pensamento de Bagno, chegando a afirmar que, em contexto informal, não se deveria repreender ao aluno que dissesse: “os livro tão em cima da mesa”, “Creusa, subiu pra cima da escada, mais caiu porque o parafuso tava flouxo”, mas que, todavia, à escrita deveriam adotar a norma padrão/culta. Isto, evidente, despertou grande polêmica dentre linguistas, lexicógrafos e mestres, resultando no recolhimento dos exemplares. É fato que, a pronúncia influi diretamente na escrita, quem fala errado tende a escrever errado, embora haja casos de pessoas que falem mal e escrevam bem, e vice-versa.
A Literatura, de uma forma geral, antes do Romanticismo, seguia ferrenhas normas acadêmicas de produção, que foram pouco a pouco abandonadas com o surgimento deste movimento, o que permitiu ao escritor adotar uma linguagem mais comum, expandindo o acesso social às obras literárias. Este desprendimento, gradativamente, provocou mudanças na Língua, sobretudo, com as escolas literárias que seguiram, as quais se utilizavam mesmo de neologismo e gírias.
“[...] Temos de fazer um grande esforço para não incorrer no erro milenar dos gramáticos tradicionalistas de estudar a língua como uma coisa morta, sem levar em consideração as pessoas vivas que a falam. [...] O preconceito linguístico está ligado, em boa medida, à confusão que foi criada, no curso da história, entre língua e gramática normativa. Nossa tarefa mais urgente é desfazer essa confusão. Uma receita de bolo não é um bolo, o molde de um vestido não é um vestido, um mapa-múndi não é o mundo... Também a gramática não é a língua. [...] Enquanto a língua é um rio caudaloso, longo e largo, que nunca se detém em seu curso, a gramática normativa é apenas um igapó, uma grande poça de água parada, um charco, um brejo, um terreno alagadiço, à margem da língua [...]”. (BAGNO, Marcos. “Preconceito Linguístico”. Edições Layola, São Paulo, junho de 2007: 48ª e 49ª edições. p. 09-10).
Hodierno, a diversidade cultural é assaz grande dentre os jovens que sob a influência das vogas efêmeras que constantemente transmutam, ou pela necessidade de desenvolver em um grupo a parte da sociedade, suas concepções, conquistar um espaço, aceitação, desenvolvem não apenas vestimentas e comportamentos excepcionais, mas também uma linguagem particular, própria às vogas ou grupos. Nascem assim neologismos e gírias, distorções do idioma, porém, de recorrente uso trivial.
À custa de muito debate entre tenazes defensores da Gramática Normativa tradicional e aqueles que pretendem uma Língua Portuguesa “descomplicada”, “atualizada”, a maioria dos lexicógrafos estão incluindo em suas obras a acepção de gírias, devidamente assinaladas, junto à definição literal e figurativa de vocábulos.
Reconheçamos que Gramática não é álgebra, onde dois mais dois são quatro; trata-se de um conjunto de normas e exceções, que exige conhecimento teórico, interpretativo, raciocínio e capacidade de aplicação. Mesmo professores e mestres divergem entre si quanto à exatidão de determinadas questões relacionadas à Língua Portuguesa, não faltando por parte de todos argumentos que defendam suas posições – questões relacionadas diretamente à Gramática, sua interpretação e aplicação.
Nesta composição constam grifadas algumas palavras, algumas sentenças; o propósito de tal é mostrar o uso correto destes termos tidos por muitos como, “dificuldades da Língua Portuguesa”, que em verdade exigem apenas um pouco de atenção em seu emprego.
Para concluir o presente, vejamos o soneto “Língua Portuguesa”, de Olavo Bilac, que a meu ver bem se encaixa ao contexto.
“Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: ‘meu filho!’
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!”.
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