Essa história aconteceu quando um jovem que detestava injustiças fez uma prova no colégio. A prova tinha apenas três questões e todas elas, além do conhecimento técnico do assunto tratado, exigiam habilidades de interpretação bastante grandes. Cada uma delas possuía cinco respostas e os alunos deveriam optar por uma delas. Ele era um excelente aluno, e tinha as melhores notas da turma.
Quando foi divulgado o resultado, ele viu que havia acertado apenas uma das questões e, portanto, havia tirado uma nota 3,3. Inconsolado, ele foi argumentar com a professora que as duas respostas que havia errado, segundo o gabarito fornecido, estavam certas. Como ele estava convicto de que havia acertado todas as questões e tinha uma capacidade de argumentação muito grande, conseguiu fazer com que uma das questões fosse anulada e fosse trocada a resposta certa de outra. Essa troca, porém, também não coincidia com a resposta que ele havia dado. Assim, ao invés de ficar com o dez que ele pretendia ou com o 3,3 que havia tirado, ficou com uma nota 5,0.
Mais tarde, ele procurou um amigo, professor universitário, para desabafar e verificar se estava realmente correto ou não. Num primeiro momento, o amigo respondeu as duas questões exatamente de acordo com o gabarito fornecido, o que já poderia ser um indício de que as respostas do gabarito estavam corretas. Esse seu amigo, porém, também detestava injustiças e, mais ainda, sempre procurou desenvolver seus argumentos com uma fundamentação sólida, o que não conseguiu fazer no momento da conversa. Mais tarde, procurou em livros e na Internet os argumentos que poderiam justificar a correção de uma das respostas do gabarito e encontrou o que procurava: a resposta indicada pelo professor na questão anulada estava correta e não deveria ter sido anulada. É muito provável, também, que a resposta dada para a outra questão, a que teve o gabarito mudado, também estivesse certa.
Para o jovem, no entanto, o único efeito da nota baixa foi uma redução na sua média e o orgulho ferido. Mas as modificações afetaram, também, as notas de toda a turma. Duas outras situações merecem ser relatadas. Um de seus colegas, que não havia levado os estudos a sério durante todo o semestre, resolveu que iria passar e estudou como nunca antes havia estudado: ele precisava de uma nota 5,5 para passar. O resultado foi o esperado. Ele acertou todas as questões da prova, de acordo com o gabarito fornecido pelo professor e estaria aprovado. Não foi o que ocorreu. Com a anulação de uma das questões, cada uma das outras duas ficou valendo cinco pontos e, com a alteração do gabarito, ele obteve apenas uma nota 5,0 e foi reprovado por meio ponto.
Outra situação ocorreu com uma colega que também estava bem de notas e que, por esse motivo, não deu muita atenção para a prova, afinal, ela precisava apenas de 4,0 para passar. Aconteceu o que sempre acontece quando não se leva a sério o que se está fazendo: de acordo com o gabarito fornecido pelo professor, ela errou todas as questões. Com a anulação de uma das questões, cada uma das outras duas ficou valendo cinco pontos e, com a alteração do gabarito, ela tirou a nota que precisava para passar.
Essa história, parcialmente fictícia, mas que realmente poderia ter acontecido, serve para mostrar que, às vezes, mesmo quando fazemos as coisas com a melhor das intenções, procurando evitar injustiças, podemos cometer injustiças ainda maiores. Nesse caso, a tentativa de evitar uma injustiça, acabou produziu não uma, mas três injustiças: (a) o nosso jovem, que realmente merecia a nota 3,3, ficou com nota 5,0, o que não foi justo. Mas ele foi o menos afetado por sua atitude – ele passaria de qualquer maneira; (b) seu colega, que precisava 5,5 para passar, que havia tirado dez de acordo com o gabarito inicial e que passaria com essa nota, acabou ficando com 5,0 e terá que repetir o ano por meio ponto e essa foi a maior injustiça cometida; (c) sua colega, que necessitava 4,0 e merecia zero, acabou ficando com uma nota superior à que necessitava, e foi aprovada sem saber o conteúdo da matéria, o que também não foi justo.
Moral da história: Sempre temos mais de uma opção para nossas decisões. Em alguns momentos, é preciso coragem para provocar a mudança daquilo que pode e deve ser mudado. Em outros momentos, é preciso serenidade para aceitar as coisas como elas são. Quando vivemos em sociedade, nossas ações afetam a vida de outras pessoas e elas também devem ser levadas em conta quando decidimos provocar uma mudança ou deixar as coisas como estão. A justiça é um conceito mais amplo que o conceito de legalidade. Nem sempre o que é legal é justo e, mesmo assim, a noção de justiça é sempre uma convenção local. O conceito de legalidade está fundamentado na lei. O conceito de justiça, em valores. Um homem sábio sabe medir todas as consequências de suas ações e fazer a distinção entre o que pode e deve ser mudado e aquilo que não pode ou não deve ser mudado. Isso inclui saber distinguir o que é legal e o que, realmente, é justo.
Funck, Roberto. "Cara ou coroa: todas as moedas têm duas faces!". Janeiro de 2013. http://livredialogo.blogspot.com.br/
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Realmente bastante complicado
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