O filme “O Artista”, vencedor de cinco Oscar, em 2012, traz a história do astro George Valentin (Jean Dujardin) que teme a chegada de uma nova forma de fazer sua arte cinematográfica (cinema mudo) e sua possível queda por conta dessa revolução artística: o cinema falado.
Paralelamente a todos os passos do personagem, há um outro ator, com estremo brilhantismo: o cãozinho Uggie que, por reconhecimento público, já deixou suas quatro patinhas na chamada “calçada da fama” – o passeio público ao longo das ruas Hollywood Boulevard e Vine Street em Hollywood, Califórnia, Estados Unidos, constituído por mais de 2000 lajes com estrelas.
A fidelidade do cãozinho acompanha seu tutor por todos os momentos até a ruína do artista, quando, desesperado, resolve matar-se com um revólver. Desde o momento, em que George apanha a arma, o cãozinho começa a latir, com vigor, até puxar a perna da calça do desesperado e fracassado ator.
Tão pungente cena remeteu-me ao conto “Trezentas Onças” de João Simões Lopes Neto. O tropeiro Blau Nunes, após entregar uma tropa de seu patrão, no retorno à estância, após banhar-se, esquece a guaiaca com aquela dinheirama que era uma fortuna para ele, um pobre campesino.Após buscar em vão pela quantia, envergonhado com o que possam pensar dele, resolver matar-se com um revólver.
Eis o trecho que relata esse trágico momento da personagem:
“E logo uma tenção ruim entrou-me nos miolos: eu devia matar-me, para não sofrer a vergonha daquela suposição.
É; era o que eu devia fazer: matar-me... e já, aqui mesmo!
Tirei a pistola do cinto; armei-lhe o gatilho..., benzi-me, e encostei no ouvido o cano, grosso e frio, carregado de bala...
- Ah! patrício! Deus existe!...
No refilão daquele tormento, olhei para diante e vi... as Três-Marias luzindo na água... o cusco encarapitado na pedra, ao meu lado, estava me lambendo a mão... e logo, logo, o zaino relinchou lá em cima, na barranca do riacho, ao mesmíssimo tempo que a cantoria alegre de um grilo retinia ali perto, num oco de pau!...
- Patrício! não me avexo duma heresia; mas era Deus que estava no luzimento daquelas estrelas, era ele que mandava aqueles bichos brutos arredarem de mim a má tenção...
O cachorrinho tão fiel lembrou-me a amizade da minha gente; o meu cavalo lembrou-me a liberdade, o trabalho, e aquele grilo cantador trouxe a esperança...”
Mais uma vez a literatura relata a relevância dos animais no cotidiano dos seres humanos, não como seres inferiores mas como parceiros de jornada, habitantes do mesmo tempo e espaço, capazes de tornarem a vida mais bela e surpreendente.
Não por acaso, a famosa Carta do Chefe Índio da Tribo Seatlle, em 1855, declara: “Se todos os animais acabassem, os homens morreriam de solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os homens.”
Farias, Juarez Machado de. "Trezentas onças" e "O artista": a relevância dos animais no cotidiano dos humanos.". Junho, 2012. http://livredialogo.blogspot.com/
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivs 3.0 Unported. Deve ser citada conforme especificado acima.
Esta obra de Farias, Juarez Machado de, foi licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Unported.
Baseado no trabalho em livredialogo.blogspot.com.br.
Permissões além do escopo dessa licença podem estar disponível em discente.farias@gmail.com.
0 comentários:
Postar um comentário
Obrigado por comentar, pois sua opinião é muito importante!
Volte sempre!