1.
Sempre me vi escrevendo para todos, menos para ti. Não por falta de consideração (quem me dera!), mas tu sempre me pareceste tão imprevisível que digo que é quase milagre teres um endereço fixo, uma casa ou mesmo, um relacionamento duradouro.
Diante de nosso aparente afastamento, tu fizeste esta loucura de te prender a alguém sem meu consentimento; não que ache que me deves alguma explicação, não... Porém, diga-se de passagem, sempre fui a mais centrada diante de 10 netos e netas, além dos agregados. Lembra-se? Tu fazias parte destes últimos! Os mais adorados e admirados por mim. Os “grandes”... E hoje se tornou apenas mais um pequeno, como eu. Quando decidimos dar as mãos e lutar contra o mundo, não tive um pingo de autoconfiança, entretanto, isto não fez-me desistir (não naquele momento!), pois estávamos lado a lado, como todos os dias da minha vida desde o dia em que o conheci até nossos últimos instantes.
Eu era a parte mansa de nosso naufrágio constante, tu eras a onda que nos matava e eu? Só me afogava; só me afogava... Sem perceber! Não que isto me fizesse mal. Ao contrário: Adorava esta emoção, a sensação de ter de lutar por minha vida só para dá-la a ti, sem argumentos ou hesitações. Diz-me, não sentes vontade de gargalhar só por perceber que isto era o que chamávamos de amor?
Ela é linda não é? Vejo-os sempre aqui de minha janela. Ainda pergunto-me se esta não é mais uma de tuas artimanhas para que jamais lhe esqueça. Ela trabalha com crianças. Ando pesquisando sim. Deve ser tão meiga e doce! Do jeito que nunca fui... Deixemos de lado todo este constrangimento de lembrar-lhe do passado. Acredito que sabes por que escrevo a ti neste momento, não é mesmo?
Acordei tão tarde (como de costume!) e deparei-me com correspondências sobre a mesinha da saleta. Entre contas e mais contas, convites e aporrinhações; lá estava o que menos esperava encontrar... Em todas as vezes que tu surpreendeste-me esta foi a mais divertida e realmente inesperada (e fantástica) surpresa. Um convite de casamento é imprevisível, mesmo falando de tua pessoa, um exímio cafajeste e mais ainda “Mestre dos Caras-de-pau”. Sinto como se fosse meu dever ir até a cerimônia mesmo que seja para alertar esta pobre mulher que tu farás enlouquecer como tantas outras... Quem sabe esta não é minha missão, como a tua quem sabe, não será casar-se e desfrutar de uma vida sossegada e harmoniosa. Quem sabe eu fui umas das paixões e ela é o amor de tua vida? Pois tu sabes, a ordem não altera o produto!
E já falando em tua sabedoria, acreditas que estranhos deram de parar-me na rua para perguntar sobre ti? Hoje mesmo encontrei algum conhecido teu (sabedor de nossa turbulência amorosa), na fila da padaria. Ele sorriu e veio até mim de braços prontos para um grande e doce abraço como se nos conhecêssemos há muito, não me lembro de conhecer alguém tão simpático. Foi tão gentil a ponto de convidar-me para um café. E eu aceitei (claro!), não recusaria convite vindo de tão bom coração...
“- Então como vai Madalena? Há tanto tempo que não deslumbro esta tua beleza cosmopolita... – Disse-me o estranho, com um dos mais belos sorrisos que já vi. – E como vai Antônio? Outro desaparecido... Soube que vão se casar, boa sorte.
Acho que empalideci nesta hora, pois logo segurou-me a mão e perguntou se passava bem.
- Sim, sim... Digo... Não nos casaremos...
- Mas... O que ouvi pelas ruas foram apenas especulações?
- Não... Antônio se casará! Apenas, não comigo...
Senti pena do estranho. Seu belo sorriso se desfez e refez-se em seu rosto um riso amarelado. Logo recobrou a postura e adquiriu um tom de seriedade...
- Perdoe-me... Como disse, há muito que não vejo Antônio... Não deveria ter tocado neste assunto! Perdão senhorita... - Então o estranho olhou-me nos olhos e beijou-me a mão e eu ali, toda entregando a um desconhecido. – Como não pude perceber? Recebi o convite anteontem, mas não o abri. Vocês pareciam fazer o tipo de casal que jamais se separa. – Soltou minhas mãos e sua expressão tornou-se sombria. – A senhorita perdoa-me? De coração...”
Devo confessar que neste momento já não escutava o que meu querido desconhecido relatava. Só tinha atenção para aquele mar de emoções que ele demonstrava apenas nos olhares. Ora um, ora outro... É por um desconhecido destes que as mocinhas ingênuas apaixonam-se sem ao menos uma pesquisa adequada ou mesmo, uma descoberta de nome e endereço, (pensando bem, eu também, ainda, não havia desvendado a graça de meu novo conhecido... Muito menos uma alcunha!). Estava perdida numa fascinação espontânea... Sei que não sou uma moça ingênua, mas ainda assim...
“- Então Madalena, me perdoa?
- Sim, sim... Não há porque preocupar-se. - Sorri.”
Levantei-me, dei qualquer desculpa para sair quase numa correria sem prelúdios. Paguei o que consumi e sumi! Não perguntei seu nome, nem seu endereço. Uma pulga atrás da orelha seria um ótimo aperitivo para o resto da semana trabalhosa que teria. Pois tu sabes, sempre me foi difícil achar algum vestido de festa que me caísse bem. Mas para teu casamento iria nua se precisasse, poucos têm a sorte de vivenciar milagres (se podemos chamar de sorte, claro), e eu, não perderia minha oportunidade.
Irei a teu casamento, apenas, com a simples intenção de encontrar o novo conhecido de minha vida. Quem sabe descobrir-lhe o nome, idade, endereço, status de relacionamento, situação financeira... Descobrir-lhe as verdades e vergonhas. O dono dos olhos negros desconcertantes...
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História excelente. Vocabulário estupendo!!
ResponderExcluirParabéns!!
Parte 2, lá vou eu...
muito linda sua história parabéns ;)
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