quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Escrever bem ou de fato construir um texto?

Escrever é bem mais do que simplesmente arranjar palavras com tinta; do que saber onde, quando, como e qual vocábulo empregar. Não se trata somente de seguir à risca as normas de Gramática e Sintaxe, e sim de encadear e desenvolver ideias. Há textos cuja aparência é sofrível, contudo, sua essência é fascinante! Um texto gramaticalmente mal construído, porém inteligível, com ideias bem estruturas e argumentos bem trabalhos é facilmente consertado por alguém que mantenha um "relacionamento estável" com a Língua Portuguesa. Mas a recíproca não é verdadeira: um texto bem construído, porém de conteúdo supérfluo, mal trabalhado ou mesmo inexistente é apenas um belo corpo sem alma; um fruto sem polpa; apenas casca.
Compor exige toda uma engenharia intelectual, pois é na escrita que se concatenam todas as áreas do conhecimento - atrevo-me a dizer que é justamente nela que o conhecimento apresenta-se de fato: sem a divisão cartesiana empregada pelas instituições de ensino e que, infelizmente, é mantida pela maioria dos indivíduos ao longo da vida. 
Se pararmos para refletir um instante podemos inferir que a linguagem é a mais divina, a mais sagrada das dádivas humanas; a maior forma de poder que o ser humano é capaz de desenvolver. Foi justamente a capacidade de comunicação, dentre outros aspectos fisiológicos, que, segundo autores como David Coimbra, em "Uma História do Mundo", nos fez sobressair a todas as outras formas de "homo" conhecidas.
Hitler, por exemplo, utilizou-se tão-somente de sua habilidade dialética para dominar a Alemanha; conquistou seus compatriotas de tal forma que estes dispuseram suas vidas em prol de uma utopia insana e psicopática. O Führ pode não ser um modelo de homem, mas certamente é um dos maiores exemplos do que podem as palavras. Gandhi, por sua vez, guerrilhou contra o imperialismo britânico e os fuzis das milícias com a mais poderosa arma de que dispunha: a fala e o exemplo.
Os essênios, segundo consta, consideravam a fala algo tão sagrado que viviam a maior parte do tempo em silêncio, refletindo. Hoje, contudo, a necessidade de comunicar tudo quando pensamos, presenciamos ou sentimos, a simples necessidade de falar tem tornado esse aspecto da linguagem algo mui esquecido, ou mesmo banalizado, embora seu poder seja sempre o mesmo.
Recentemente, em função de um trabalho para a disciplina de Produção Textual, é que pela primeira vez senti o grande hiato que existe entre "escrever bem" e construir um texto, de fato. Por melhor que minha estimada professora avaliasse o material que lhe entreguei, segundo as competências exigidas, eu sinceramente não me encontro satisfeito com o que produzi. Sempre que releio a dissertação tenho a nítida impressão de estar segurando apenas a carcaça de algo.
Eu não consegui identificar-me, relacionar-me com o tema da atividade, de modo que produzi algo, como eu poderia dizer?, "alheio" a mim. Não consigo deglutir aquelas linhas, muito menos adentrar naquele tema que me parece tão prolixo, tão complexo.
Sinto-me, com isso, bastante incompetente. E é justamente porque percebo imerecida qualquer menção elogiosa àquele material, considerando sua essência, que grafo estas linhas não como uma crítica a quem quer que seja, mas sim como que um "desafogo"; espécie de "análise de consciência". 

"A expressão vocabular humana não sabe ainda e, provavelmente, não o saberá nunca conhecer, reconhecer e comunicar tudo quanto é humanamente experimentável e sensível." (José Saramago).


Farias, M.S.: "Escrever bem ou de fato construir um texto?". Novembro de 2013.
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quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Arte contemporânea

Dentre as diversas vertentes da Arte Contemporânea há uma em particular que visa à reaproximação do ser humano com a natureza, ligá-lo com o mundo físico à sua volta, ou antes, resgatar este elo. Dentre os artistas que em tal vertente bem se enquadram estão Karin Lambrecht, Adriana Varejão e Carlos Vergara. Todos estes, à sua maneira, celebram a vida e a relação do homem com a natureza.

Karin Lambrecht

Karin Marilin Haessler Lambrecht nasceu em Porto Alegre, no ano de 1957. Começou seus estudos no Ateliê Livre da Prefeitura Municipal dessa mesma cidade. No início da década de 1980, faz curso de pintura com Raimund Girke (1930 - 2002), na Hochschule der Künste, em Berlim.

Na década de 1990, começa a agregar materiais orgânicos, como grãos de terra e sangue, à superfície das telas. Contudo, no começo de sua trajetória artística utilizava-se predominantemente de resíduos industriais.

Karen atualmente trabalha, maiormente, com tons de azul, e passa a explorar os vermelhos, ocres e amarelos, por meio de pigmentos naturais, que variam desde finas camadas de terra, ao carvão ou ao sangue de animais abatidos. Por vezes, expõe as obras à ação da natureza, como o sol, vento ou chuva, que as modifica e faz com que elementos novos, como folhas de árvores, fragmentos de cascas ou pegadas de animais, sejam agregados a elas.







































Adriana Varejão

Nascida no Rio de Janeiro em 1964, Adriana realizou sua primeira exposição em 1988, mesmo período em que participou de uma coletiva no Stedelijk Museum, em Amsterdã.
Atualmente é considerada uma das personalidades mais relevantes da arte contemporânea, havendo participado de mais de 70 exposições em diversos países, tal como Bienais em Veneza e São Paulo; Tate Modern, em Londres e MoMa, em Nova Iorque. Vários institutos e museus já promoveram exposições de sua obra, dentre eles: Fundação Cartier, em Paris, Centro Cultural de Belém, em Lisboa e Hara Museum, em Tóquio.
Em 2008 ganhou um pavilhão dedicado à sua obra no Centro Inhotim de Arte Contemporânea.
Varejão trabalha com a pintura e a azulejaria. Na pintura utiliza-se de materiais pouco convencionais qual o poliuretano e o alumínio. Como a própria artista refere:
“Trago elementos alienígenas: [...] materiais pouco tradicionais, que não pertencem à pintura. Não pinto como forma de resistência e sim porque é o meio que mais se adapta ao que quero dizer”. (Varejão, http://adrianavarejao.net/).

Já seu trabalho com azulejos era, originalmente, baseado em paródias que a artistas produzia de painéis barrocos azulejados. A posteori Adriana passou a emprega-los com razões geométricas e, mais tarde, por influência da presença destes elementos na arquitetura da cidade carioca:
“Me identifico (sic) muito com a arquitetura carioca de botequins, e eles são azulejados. O azulejo não está só presente na minha obra, ele está presente na vida do Rio de Janeiro. É uma herança portuguesa”. (Varejão, http://adrianavarejao.net/).

Um aspecto da obra de Adriana é sua relação com o barroco brasileiro. Assim como no barroco a Arte possui força expressiva e o apelo à matéria, também é a obra de varejão: busca destacar a matéria, o físico:

“Não sou religiosa, meus pais também não, a gente não tinha o hábito de visitar museus e igrejas. Quando vi as igrejas barrocas de Ouro Preto, não pude acreditar! Aquela exacerbação da volúpia da matéria me deu uma rasteira que nunca mais esqueci. Foi uma epifania que vivi aos 22 anos. A partir daí fui tomada por esse universo.” (Varejão, http://adrianavarejao.net/).

Uma característica marcante – e que confere singularidade – da obra de Adriana Varejão é a representação de carnes. Tal como as incisões representadas em suas telas, as carnes dão um ar violento e muito expressivo a obra da artista. Tal como dito, sua intensão é destacar o físico, o material, de modo que composições como “azulejo verde e carne viva” sugerem que a parede é um organismo vivo, uma “extensão do ser”.

“As carnes vêm de muitos séculos de pintura. Faço parte de uma tribo de pintores que pintam carne: Goya, Rembrandt, Francis Bacon... Quando pinto carne, falo também da tradição da pintura. Ela nasceu na minha pintura de uma investigação interna do próprio trabalho. O que busco é uma certa (sic) impureza. Existe uma tendência no mundo, na arte e na cultura à assepsia. Tenho pavor de assepsia. Gosto de fantasmas, paredes habitadas, sótão, porão... A gente está muito distante da matéria. [...] Existe uma vontade de limpeza e assepsia muito grandes, que distancia a gente da ideia da vida, do corpo, do nascimento, da morte. Busco as saunas porque elas são cheias de impurezas: cabelos, fluídos, restos de pele... Tento simular uma parede toda azulejada, e essa parede é cortada – existe uma pulsão dentro dela, que é a carne. A parede é habitada, viva. O rasgo ali é para mostrar que a casa, a parede são extensões do nosso corpo. A gente tende a entrar numa casa e pintar, apagar os vestígios de tudo o que passou por ali. Tenho uma tendência a resgatar isso. A carne não é uma exaltação da ideia da morte, é exaltação de uma pulsão de vida”. (Varejão, http://adrianavarejao.net/).
 
Em sua obra percebe-se a preocupação em resgatar o contato do homem com a natureza, ou antes, com os elementos físicos, longe de uma ideologia de um mundo reto como que num plano cartesiano, limpo de um branco impecável como num ambulatório onde o indivíduo se faz um ser unicamente intelectual; a intenção é de o homem estar inserido no universo, que a realidade é uma extensão de si. 





























Carlos Vergara

Carlos Vergara é gaúcho de Santa Maria e nasceu em 1941. Estudou com o pintor Iberê Camargo¹. Artista múltiplo com quase cinco décadas de trajetória, Vergara trabalhou com pintura, serigrafia, instalações, fotografia e cinema. Desde o fim dos anos 1980, o artista emprega pigmentos naturais e minérios, com os quais produz a base para trabalhos em superfícies diversas. Ele desenvolveu obra em contato direto com o ambiente ecológico na série Monotipias do Pantanal, de 1997.

A produção de Vergara o situa num grupo de artistas que trabalha o próprio pigmento como um signo da pintura. A busca pelo diálogo entre a materialidade da obra e sua relação com o meio circundante são elementos fundamentais para sua constituição. Esse aspecto se torna mais evidente a partir do ano de 1989 ao lançar mão de monotipias e pinturas abstratas que estabelecem relações físicas e conceituais com lugares visitados pelo artista. Ao percorrer determinados espaços, Vergara imprime em sua tela as marcas físicas desses locais que, mais tarde, serão manipuladas por meio de inserções de tintas e grafismos. Sua ação procedimental leva às obras a dialogar diretamente com o meio ambiente, incorporando-o ao trabalho.





1. Iberê Bassani de Camargo (Restinga Seca, 18 de novembro de 1914 — Porto Alegre, 9 de agosto de 1994) foi um pintor, gravurista e professor brasileiro.


Considerações Finais

A arte de Karin causa certa perplexidade no observador por utilizar-se de elementos pouco convencionais, preponderantemente o sangue, cujo misticismo e figuração espiritual causam no observador algo como um “choque”. Não é de hoje que o sangue possui esta propriedade de afetar o sentimental – e por que não o psicológico, o imaginário? – do público: filmes como “O conde Drácula” surgiram, orginalmente, em função desse apelo. Todavia, a considerar o conceito de estética apresentado no vídeo e a intensão da Arte de abordar temas ou chamar a atenção para determinados aspectos de forma mais enfática, é inevitável dizer que as obras de Karin são demasiado expressivas e criativas.
Igualmente significativas são as obras de Adriane Varejão, que mostra o mundo que nos cerca, as paisagens urbanas como algo tão vivo quanto às paisagens naturais, suscitando que o mundo, a realidade física é também uma extensão viva do próprio homem. Tal como Karin, Varejão emprega em suas obras elementos poucos convencionais, embora diferentemente da primeira, ela não se utilize de carne efetivamente, e sim se sirva de uma representação hiper-realista – o que produz um efeito estético também singular, levando o observador a um estado de perplexidade.
Um aspecto que ambas parecem ter em comum, preponderantemente, é uma “ressignificação”, ou antes, uma construção mais intensa da linguagem sobre suas obras, efeito este causado pela ideia de sangue, vísceras e carne presentes nas composições de ambas – estes elementos conferem violência às obras, podendo mesmo “agredir”, chocar, de uma maneira ou outra, o olhar, a percepção do público.
Carlos Vergara associa-se também pelo uso de pigmentos naturais em suas composições, pois tal como Karin, faz do meio-ambiente seu ateliê: o barro, a chuva, as pedras, as árvores e os próprios animais tornam-se seus instrumentos de trabalho: suas tintas, seus pincéis...
As obras desses artistas, a meu ver, ganham uma significação ainda mais ampla e profunda dada a forma como são produzidas, pois além da história, da crítica apresentada pelo autor, é como se cada material tivesse em si sua própria história.
O que interliga aos três, mais do qualquer outro aspecto, é a relação que visam estabelecer do homem com o mundo, agregando valores históricos, místicos/religiosos, sociais...
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Referências

Farias, M.S.: "Arte contemporânea". Novembro de 2013.http://livredialogo.blogspot.com.br/
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