sexta-feira, 2 de julho de 2010

A História dos licores.

Poção de amor para conquistar eternamente o amado, afrodisíaco, bálsamo, "elixir da longa vida", beberagem misteriosa dos alquimistas, o licor tem sua história envolta em lendas amor, de bruxas e de magos.

Conta uma lenda que uma jovem desesperada de amor queria conservar junto de si o seu amado. Após tentar todos os artifícios, inutilmente, ela preparou uma mistura de ervas e frutas, extraindo depois uma bebida adocicada e de um delicioso sabor inebriante. Se ela conseguiu conquistar seu amado ninguém sabe até hoje, mas que deixou à prosperidade uma das mais deliciosas bebidas, isso todo mundo, que já experimentou um licor, tem certeza.

Outra versão sobre a origem do licor, corrente em algumas localidades do interior da Itália, é a que atribuiu a sua criação a bruxas que, sob a aparência de lindas donzelas, preparavam com frutas e ervas uma poção que tinha o misterioso poder de unir para sempre um casal de amantes.

Deixando de lado o terreno da fantasia fértil das mais incríveis lendas de amor e mistério, a versão mais provável da origem do licor é que ele se originou das poções caseiras e xaropes de ervas e frutas para curar tosses, problemas de estômagos e muitos outros males. Esses medicamentos caseiros, em vez de preparados por frágeis donzelas apaixonadas ou por misteriosas moças bruxas, eram elaborados por velhas senhoras do povo, de acordo com antigas receitas familiares que passavam de geração a geração.

Basicamente, essa beberagem era feita por meio da mistura de ervas medicinais e aromáticas com certas frutas que depois de fermentadas resultavam numa bebida adocicada, colorida e muito saborosa que pouco tem a ver com o licor como o conhecemos hoje. E se não curava o doente pelo menos o reconfortava e o deixava feliz por uns momentos.

Não só os ocidentais.

 O gosto por bebidas alcoólicas adocicadas e aromáticas não foi privilégio das civilizações ocidentais apenas. Há registros históricos que demonstram que povos antigos consumiam algum tipo de bebida semelhante ao licor. Os chineses, há mais de 800 anos a.C., tinham o hábito de tomar uma bebida preparada a partir da fermentação do arroz e depois destilada. Em certas regiões da Índia, também se produzia desde a antiguidade uma bebida aromática obtida da fermentação da cana-de-açúcar com arroz.  Os árabes, além de prepararem alguns tipos de bebidas semelhantes ao licor, buscavam métodos mais eficazes para se conseguir uma destilação perfeita para melhorar a qualidade de suas bebidas.

Na Grã-Bretanha, o hábito de tomar licor já estava arraigado no povo muito antes de os romanos a conquistarem. Por essa época, a terra do Rei Arthur já dispunha de uma razoável técnica de manipulação de metais que lhe permitia criar destilarias para a fabricação de bebidas.

Também, por esse mesmo tempo, a França, Espanha, Itália e outros países do Oeste europeu já produziam alguns tipos de bebidas semelhantes ao licor. Esses "licores" eram, na verdade, uma mistura de vinho com ervas, à qual se adicionava mel ou melado. Outra bebida muito comum preparava-se Com a fermentação de várias frutas combinadas.

Álcool, o ingrediente que faltava!

 Por volta do início do século X, os árabes descobriram aquilo que vinham tentando há tempos: desenvolveram o processo de obtenção do álcool através da destilação de um fermentado. Eles constataram ainda que a substância assim extraída, além de suas propriedades antissépticas, poderia ter muitas outras finalidades. Depois os alquimistas árabes e europeus passaram a utilizar o álcool em seus medicamentos preparados com ervas medicinais, tanto para os reconstituintes e estimulantes, como para as poções para curar os males de amor.

Com essa descoberta dos árabes, estava aberto o caminho para os alquimistas criarem os mais incríveis e deliciosos licores, através de um paciente trabalho de combinação entre ervas aromáticas, medicinais e frutas. Muitas dessas formulações secretas tornaram-se nome de licores mundialmente famosos, cujos segredos apenas o fabricante detém.

O licor tal como o conhecemos hoje, só foi possível depois que o alquimista catalão Arnaud Villeneuve, em 1250, conseguiu extrair os princípios aromáticos das ervas, deixando-as em maceração em álcool puro. Essa técnica de se obter a essência das plantas - conservando todas as suas propriedades – foi de extrema importância no aperfeiçoa- mento do licor e de muitas outras bebidas ou medicamentos naturais.

Depois de longos e pacientes estudos, Arnaud registrou todas as suas experiências num volumoso tratado sobre o álcool e suas utilizações, recomendando adicionar-se no licor pepitas de ouro, metal que nessa época era considerado possuidor de propriedades miraculosas, além de dar sorte a quem o tomasse. Divulgadas essas ideias, o autor caiu em desgraça com a Santa Inquisição, que quase mandou sacrificá-lo na fogueira como bruxo. Por sorte, Arnaud não só não foi queimado como também consagrou-se, pois a uma de suas poções foi atribuída à cura do Papa.

Com essa grande contribuição de Arnaud, o licor começou a ser fabricado com técnicas mais aperfeiçoadas que garantiam um produto fino e de alta qualidade. Os licores, já com as características de uma bebida "cortês", requintada passou a significar demonstração de gentileza dos anfitriões que o serviam sempre após as refeições a seus convidados como um reconfortante digestivo. Aos monges, devemos a criação de maravilhosos licores, cujas fórmulas eram segredos encerrados entre as paredes dos mosteiros. Por mais de 300 anos, depois da descoberta de Arnaud os monges "monopolizavam" a fabricação de licores, deixando para a posteridade algumas fórmulas, cujo segredo até hoje está rigorosamente guardado pela ordem à qual pertencia o monge que as criou.

Como o papel social dos monges, nessa época, ia além do simples sacerdócio nos mosteiros, eles desenvolviam muitas outras atividades, dentre elas a preparação de medicamentos á base de ervas para combaterem diversos males. Assim, eles cultivavam um grande número de ervas medicinais e aromáticas para serem utilizadas em suas poções. Foi desse trato constante no preparar xaropes, vinhos digestivos, reconstituintes etc. que eles foram criando incríveis receitas de licores que se tornaram apreciados no mundo todo até nos dias de hoje.

Para a glória e o paladar de Deus.

 Um dos mais famosos e apreciados licores do mundo é o Benedictine, D.O.M., criado no século XVI, mais precisamente em 1510, pelo monge beneditino dom Bernardo Uniceili, da cidade de Féchamp, Normandia. Cultivador de ervas medicinais e estudioso de suas propriedades medicinais na cura das doenças, dom Bernardo formulava um grande número de medicamentos. E foi com esse cuidado e dedicação de alquimista que ele chegou à fórmula do tão consagrado licor, composto por mais de 30 ervas - que até hoje permanecem secretas-, mel, brandy e açúcar, perfeitamente combinados.

Tão deliciosa bebida com propriedades refrescantes e reconstituintes foi consagrada com o nome da ordem do religioso, como urna homenagem eterna a tudo aquilo que ele amava. Assim nasceu o Benedictine que se tornou conhecido ainda como Benedictine ad majorem Dei Glonam cujo significado é: "Beneditino pela maior glória de Deus". Não param aí as homenagens desse licor á fé; o rótulo ostenta ainda as intrigantes iniciais D.O.M. – humilde dedicatória daquele servo do Senhor - que significam Deo Optono Maximo, isto é, "a Deus o melhor, o máximo".

A fórmula desse licor ficou perdida desde 1793, quando as ordens religiosas foram expulsas pela Revolução Francesa que ainda ateou fogo nos mosteiros. Por um feliz acaso ou, quem sabe, por obra de Deus, que não quis privar os humanos de tão delicioso néctar, a formula foi encontrada 70 anos mais tarde por Alexandre Legrand, quando ele tentava recuperar parte dos documentos que restavam nas ruínas da abadia. Mais tarde, a ordem dos Beneditinos ergueu nesse local uma destilaria para fabricar o célebre Benedictine, D.O.M. apreciado mundialmente.

Um segredo guardado a "sete chaves"

 Também fabricado por monges há séculos, o Chartreuse é considerado pelos experts como o licor de sabor mais refinado entre todos. São muitas as lendas sobre a origem desse licor, em cuja composição entra mais de 130 ervas diversas que ainda hoje são conhecidas apenas pelos três monges cartusianos responsáveis pela fabricação.  As ervas são especialmente preparadas, juntamente com os outros ingredientes, por meio de um processo que ninguém descobriu, nem mesmo acuradas análises de laboratório conseguiram identificar a maioria das ervas nem o processo a que elas são submetidas para haver tão perfeita combinação e integração entre todos os ingredientes que resultam no sabor sofisticado e inigualável do Chartreuse.

Uma das mais conhecidas lendas sobre a origem desse licor conta que tudo começou por volta de 1600, quando os monges receberam de um oficial do reinado de Henrique IV um manuscrito com urna curiosa fórmula de elixir da longa vida criada por alquimistas da Idade Média. Por requerer uma preparação muito complexa das ervas e dos demais ingredientes, a receita foi deixada de lado por muitos anos. Apesar de todas essas dificuldades na preparação da bebida, o monge Jérôrne Maubec, anos mais tarde, aperfeiçoou a receita, conseguindo produzir uma bebida inebriante, de fino sabor e aroma que, além de elixir da longa vida, podia recomendado para combater diversos males. Único conhecedor da fórmula, o monge Jérànie ditou-a de seu leito de morte, pedindo para que o segredo ficasse para sempre guardado entre os irmãos da ordem.

Desde então, o Chartreose começou a ser produzido nos mosteiros da Ordem na França e na Espanha, onde construíram uma destilaria, logo depois que foram expulsos de sua pátria pela Revolução Francesa, no século XVIII.

Mantido rigorosamente o segredo da fórmula - que é transmitida a outro monge somente quando um dos três conhecedores morre -, a ordem dos Cartuclios sustenta, até hoje seus 24 mosteiros com o dinheiro oriundo da fabricação do licor que é vendido no mundo todo. Há muitas histórias sobre pessoas que tentaram entrar para a ordem com o objetivo de obter a fórmula secreta, sem jamais descobrir qualquer indício de sua exata composição.

Ainda nos dias de hoje, os três monges que detêm o segredo da fórmula seguem a mesma rotina que se repete há séculos, todas as manhãs, eles deixam suas celas, onde levam uma vida contemplativa e se dirigem á fábrica para acompanhar todo o processo de produção da bebida. Nem mesmo que trabalha na fábrica conhece qualquer coisa sobre a fórmula ou sobre as mais de 130 ervas que chegam lá em sacos muito bem lacrados e identificados por números. Depois de os ingredientes passarem por complexos processos de elaboração, obtém-se o licor Chatreuse, que pode ser amarelo, só de ervas, verde, de menta, ou branco, o mais raro e sofisticado.

Texto retirado do livro Licores, Editora TRÊS, São Paulo 1986.

3 comentários:

  1. Adorei o texto e sua simplicidade em explicações,ainda mais que sou uma apreciadora de bebidassss rsrsrs, sem dúvidas um belo texto adoreiii!!!

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  2. GOSTARIA MUITO DE SABER EM QUAL PÁGINA CONSTA ESTA HISTÓRIA DO CHARTREUSE - UM SEGREDO GUARDADO A SETE CHAVES.

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    1. Texto retirado do livro "Licores", Editora TRÊS, São Paulo 1986, páginas 1-10.

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