8.
Acordei com Sr.ª Blair tricotando ao meu
lado. Olhando ao longe acredito que pareceria apenas uma avó desfrutando de um
hobby, mas de onde eu a olhava, Sr.ª Blair ainda tornava-se assustadora.
- Não é que acordou a D. Madalena? – Ela
disse sem tirar os olhos do tricô. – Como está? O Doutor logo virá aqui.
– Estou bem, não preciso de um médico...
- Sr. Petrus já mandou chamar o Doutor –
disse-me Sr.ª Blair – é melhor que se sente aí e o espere!
Não foi um pedido. Desde já percebi
que naquela casa seria assim; nada de pedidos, apenas ordens. Sentei e esperei.
Nunca fui de grande obediência, entretanto, a verdade é que não tinha forças
para rebeldia.
Enquanto esperava o Doutor, Petrus chegou. Despontou a
sala e encarou-me. Só então notei que seus olhos eram normais, aliás,
desconhecia o que me prendera a eles. Não emitiu som algum claramente.
Sentou-se ao meu lado e fitou-me. Não dissemos nada. Havia algo de errado, não?
Ah! Sim. Na verdade, faltava. Era o mistério... O mistério que o rodeava
perturbava-me. Onde estava? O que nos unia desaparecera tão rapidamente quanto
nos uniu.
Bastou pouco tempo para que o Doutor
chegasse. Petrus a seu lado pareceu-me aflito. Será que já tinha percebido que
não havia mais motivos para que eu ficasse ali?
- Como se sente Madalena? Sou Dr. Carlos. –
Disse estendendo a mão para um comprimento.
- Estou bem! Digo isto há horas... Não
havia necessidade de chamá-lo Doutor.
Carlos pigarreou e voltando os olhos
para Petrus sorriu.
- Petrus é meu velho amigo. Conhece-o desde
que éramos moleques, por isso, digo-lhe que ele nunca foi de apavorar-se por
pouco e que se me chamou teve seus motivos.
Deixei que Carlos me examinasse mesmo
sabendo que estava perfeitamente normal por fora. O estrago estava no emocional!
Depois que o Carlos se foi e Sr.ª
Blair, com o pretexto de ter que arrumar o jantar, deixou-nos a sós; Petrus me
parecia ainda mais aflito que nas horas que haviam passado.
- Madalena... Tu podes me acompanhar?
Sem que me desse tempo para
responder, Petrus saiu porta a fora e eu apenas o segui.
- Vê isto tudo que já escrevi? - Disse-me
apontando para as pilhas de folhas em todos os cantos. – Vê? Isto não é nada!
As palavras me escolheram; e eu não tive escolha. Precisei aceitar o dom sem
argumentar. Eu não posso dizer não as frases, não posso me recusar a
escrevê-las. Elas fazem parte de mim mais do que meus órgãos mais do que a
minha alma...
Afastei-me e olhei-o com medo, então
Petrus segurou-me os ombros e fixou os olhos no meu.
- Mas... Tu, Madalena... Tu trouxeste
sentido a minha vida! Vida que desperdicei todos estes anos. E só agora tu
vieste... Se soubesses há quanto tempo lhe espero! Há quanto tempo quero ser
tua luz...
- Minha luz? – Sussurrei.
- Sim...
Gargalhei com tanta vontade que
Petrus me soltou incrédulo. Questionou-me com olhos enquanto gesticulava
nervosamente para que eu me explicasse.
- Basta desta moda de “doer-se”! – Sentei e
acendi um cigarro – Estou exausta... Exausta deste teu jeito. Vens, fica, marca
e depois some? Meu bem, eu sei que tu acreditas saber tudo que me passa pela
cabeça, mas não sabe. Ninguém, nunca, soube ou saberá!
- E a telepatia?
- Faça o que quiseres com ela... Telepatia
é bobagem! E tu só acreditas por que é bobo. – Gritei.
- Bobo? – Disse-me Petrus, colando nossos corpos. – Bobo o
bastante para acreditar que quando tu olhas nos meus olhos assim,
desconcertando para me concertar, é pedindo pra que eu não vá embora... Eu sei
que é pedindo pra que eu não te deixe!
Farias, Maikéle. "Olhos negros desconcertantes - Parte 8". Setembro de 2012. http://livredialogo.blogspot.com.br
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